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  • Foto do escritorTieta Macau

Sobre a queda de muros ou rockabillys em fastfood

Atualizado: 14 de abr. de 2020

( deixe tocar ao fundo suspicious mind )



Quando algo desmorona, quando tudo sede à gravidade e chega ao chão. Queda não é como simplesmente cair, é um pouco mais profundo, derrocada inclusive do domínio de si...

Por uma necessidade específica me desloquei a um grande shopping da cidade, e sempre que faço essa tarefa difícil, fico em dúvida se me acostumo, revolto, desisto ou se me assusto com o apartheid tão bem alocado nos mármores e vitrines deste feudo em meio ao mangue. Feudo invasão. Invasor dos templos de Nanã. Nesta ocasião, como de praxe, vesti-me de patuás para devorar com energia, qualquer fogo de olhar atravessado. "Antes que me alcance, são sete rezas e caminhos para que caia na encruza!" E lá se foi a primeira observação sobre a queda naquele dia. Em um dado momento, com a tarefa concluída, escutei próximo a mim uma espécie de Rockabilly, segui, guiada pelo som, logo deparei-me com a filial de algum fast food norte americanizado, onde à frente do balcão os funcionários estavam a fazer uma "dancinha". No primeiro instante até salientei dançar junto do lado de fora, mas em todos os outros que se seguiram só consegui me deter a duas coisas: a primeira que por grau de pigmentação, os dançantes eram mais escurecidos que os "apreciadores", estes distraídos mais com seus lanches do que com os bobos da corte moderna; a segunda, o grau de desconforto e desconcerto com os passos, desabando junto com as máscaras que tentavam forçar alguma animação.

Voltei aquele dia pra casa, com uma sensação inamovível em relação a queda, ao fim que levamos ou somos levados, muitas vezes sem perceber, a uma ruína de nós mesmos. Incontável é o número de vezes que coloco-me na condição de imaginar fatores, quase axiomáticos, que direcionam alguns corpos ao declínio, ao empobrecimento de si. Certo que há cascatas ainda mais profundas do que dançar um Rockabilly no shopping, mas esta tinha a dança no meio.

Para terminar em dança... poderia queda ser uma tentativa, a chance de dar um fim, de começar de novo, começar novo. Queda como um vetor que puxa para baixo, como força capaz de levar toda a matéria ao plano horizontal. Queda ceder, queda movimento.

E só pra terminar em dança... Eu nasci no dia da queda do muro de Berlim, dia simbólico para o mundo, talvez por isso eu tenha nascido com tendência a pensar em fronteiras borradas. Desmoronar o muro em 9 de novembro, distante de ser símbolo de ruína, foi uma possibilidade de união, ou ao menos possibilidade de encontro com o diferente sem ameaças de morte. Entre as quedas de muralhas, penso em fronteiras e parafraseio Juca Sabão, personagem de Mia Couto “encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações – a dos vivos e a dos mortos.” Verdade lacerante do agora.

Entre as quedas de muralhas e sugestão da construção de outras, como a dos EUA em relação ao México, o fechamento de fronteiras anti as pandemias ou ainda as muralhas invisíveis - apenas em termos físicos - como as de discussões de gênero, de questões raciais, econômicas, políticas, me pergunto por que não deixamos1 cair os muros em dança, por que só esburacar?

Por que quando um corpo foge da possibilidade de ser um dançarino de Rockabily fastfood, ou o Cunningham do tráfico, e tenta atravessar os buracos do muro, é ameaçado com metralhadoras de perguntas ou com o olhar de cortesia abusiva?

As vezes dançar sem palavras não basta do outro lado da muralha. As vezes não basta deixar a ficha cair no silêncio. E quando o corpo, a matéria dançante atravessa o muro, dissecá-la não é a melhor escolha. Do lado de lá já se é escalpelado todo dia. Do lado de cá é muito fácil dizer ser pós colonial.

Mas quando algo atravessa o muro, depois de mãos ao alto, é sugerido: disseca! Pro lado de lá, dissecar só servirá se for em outros termos, a partir de outras epistemologias ou até mesmo das mesmas, se, somente se, houver a possibilidade de escuta sincera. Há possibilidade de escuta sincera?

De qualquer forma não vejo como um pedido de licença, e sim como um aviso que o muro esburacado vai desmoronar. E depois dele quantos muros hão de ser levados ao desmoronamento?

Um desejo é certo, de que seja logo a derrocada dos apegos às construções vigentes que determinam, mesmo quando dizem que não o quando, o quem, o quê, o sobre, os sentidos que permeiam os fazeres em dança...


E mais uma vez para terminar em dança...

Antes que me alcance, infinitas são as rezas e caminhos para que caia na encruza!




1 o nós aqui é de proximidade e não generalista. Nós do qual me aproximo mas que não me permite real acoplamento, deixando-me sempre a beirada desse nós.



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