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  • Foto do escritorTieta Macau

Consciência negra, minha consciência

Fortaleza, 20 de novembro de 2018



Preta! Ei preta! Tem negra ali, negra aqui, negro acolá.

De preto se fez meu dia, se fez meu santo, se fez minha cor. Sou filha de negro, neta de negras, sou jejê, banto, ketu, angola e nagô.

E o que é ser negra hoje? O que é ser negro hoje?

Se os navios negreiros foram trocados pelos camburões da polícia negreira?

Se os chicotes e senzalas foram trocados por cadeias e balas?

Se quando nos querem vivos, é pra satisfazer seus fetiches… a “mulata do samba”, do “negro cor de pecado”, de corpos que sabem bem remexer a raba. Ou ainda para transformar as nossas resistências simbólicas em folclores e exotismos.

E pra você, branco privilegiado, que não consegue entender o que falo sobre privilégios: reflita um pouco sobre quais as memórias foram anuladas das narrativas? Quais povos tiveram suas cosmologias demonizadas e subalternizadas? Sobre quem tem como referência nos livros didáticos, revistas, notícias e postagens, imagens de semelhantes chicoteados, massacrados, colocados em situação vexatória… São séculos em que a indústria colonial nos faz engolir goela abaixo uma referência de dor. Hoje mesmo mais uma… E hoje seria um dia pra se comemorar uma suposta consciência...


O léxico do projeto imundo de mundo que teu pensamento branco ocupa não compreende o meu! Não compreende o que é plural. Não compreenderá pois a experiência do tráfico transatlântico não marca demarca o tom da tua pele. Não te ensinou a reconhecer um parente, nem compreender que todo dia é dia de negro.



E pra você que gosta de fazer rolezinho de cult em nossos quilombos e terreiros, tente não criar uma aura de fantástico e incrível para compor os seus lattes e stories, não se trata de uma capacidade evoluída de um chimpanzé, mas sobre resistência de subjetividades que pra nós custa vida. Do couro do tambor ao couro do solado das mãos e pés. Tudo reverbera vida onde uma roda preta se monta, somos imorríveis…

Exotizar as Áfricas, as diásporas é antes de tudo uma continuidade do pensamento colonialista, que não conseguirá nunca entender e respeitar alteridades. Nós somos o outro e tu branco sabes o que és? Tu és um outro também. As diferenças entre nossas manifestações simbólicas são inúmeras, mas não há hierarquias de saberes entre elas. Estude-se como o outro de nós, estude-se como o branco que és, e então a gente começa a falar sobre decolonialidade.

E hoje volto a pensar sobre a quantidade de pessoas embranquecidas que levantam suas bandeiras de militância nos seus posts e posts, que sabem muito bem reproduzir que “black lives matter”, e tem em suas casas placas da rua Marielle. Por que só agora? Quem se mobiliza pra saber sobre todes as outras pessoas negras, trans, gays que são assassinadas todos os dias e não sabemos por quem? E hoje? E ontem? Mais um virou estatística e tá na prateleira do mercado. E amanhã?

Pra quem vive com o medo de ser a próxima vítima, pra quem resiste todo dia, a partida de um é sempre como a partida de nós mesmas. Todo dia lidamos com mais de 60 mortes negras pela violência, sem falar do número contra os homossexuais, trans e indígenas. Números? Vidas, narrativas, memórias, famílias.

Lidamos com a história de que quase 6 milhões de negros foram trazidos a força pra cá. Pra maioria são apenas números estatísticos, para nós do lado de cá, com as correntes no pescoço, é pouco de partida em cada número. E um pouco de resistência também.


REAJA OU SEJA MORTO!


Entre dissidências e decolonialismos vejo a academia mais uma vez me classificar, enquadrar e oferecer bulas de como devemos refletir e proceder melhor. Decolonizar é antes de tudo uma urgência de vida.

Proceder melhor tá nas ruas, nas favelas, nos quilombos, nos terreiros.

Proceder melhor está em parar de exotizar as nossas Áfricas.

Está em parar de transformar o nosso maior patrimônio, a ancestralidade, no diabo ou em mercadoria.

Está em findar o genocídio.

O que é ser negro hoje?

É pedir que não nos matem.

É EXIGIR QUE NÃO NOS MATEM.

É aprender a ler pra ensinar os camaradas.

É amar os outros corpos negros. É saber que entre a direita e a esquerda o estado sempre nos oprimiu de cima pra baixo.

É resistir como sempre resistimos.

E se um dia eu tivesse nascido no ventre de um navio negreiro, e tivesse ouvido o batuque das águas como o coração de um pássaro no fundo do cativeiro, o meu grito amordaçado e o meu pranto levado pelo vento, eu saberia que a liberdade chegaria. Por que o meu pranto pediria


EPA RAIO MACHADO TROVÃO! EPA JUSTIÇA DO GUERREIRO! EPA JUSTIÇA DO POVO DE ASHÉ!


E as correntes seriam quebradas. E as correntes foram quebradas. E as correntes se quebrarão. Não por um dia ou por uma data, mas por anos de força, luta e fé. Sou filha de negro, neta de negros, sou jejê, banto, ketu, angola e nagô. Tenho a cor da minha mãe em meu corpo, e o sangue do meu pai, africano lutador. O negro canta pra nação nagô, o negro canta pra nação nagô, jejê, keto, banto, angola... ÁFRICA!


(Tieta Macau com inclusões sonoras de Yá Yá Massemba e Bloco Afro Abyieie Maylô)





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