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  • Foto do escritorTieta Macau

Entre a teia e o “shift+delete”: do metafórico ao real

Atualizado: 21 de abr. de 2020


Diversas - Silvana Mendes


Há pouco falei sobre muros e sobre as quedas. A tentativa constante de permitir o desabar simbólico das fronteiras invisíveis. Cartografia desenhadas pelas mãos de um tal feitor e sua prole quase infinita de mesmos de si. Cartografia que rasga um mundo, também simbólico em tratados, hemisférios, nortes e sul… Fronteiras invisíveis, irreais. Construção imagética que determina vivos e mortos. Que dissemina mortes… Não aquela que o nosso povo crê: a morte como última experiência de vida, como sabedoria extremada da carne. Não, não é dos fins bem-vindos aos reinos de Nanã que tal fronteira se desdobra. Esta fronteira lida com um tipo específico de fim, o “shift+delete”, em verso de colonizador o genocídio. O feitiço supremo do branco, a tentativa descomunal de extermínio completo, sobretudo das capacidades simbólicas.

O “shift+delete” permanece, de forma efetiva, disparando as suas tentativas. Disparando. Mas prestem bem atenção que falo tentativa, pois, a contramão da maré, os resilientes se reagrupam, se reorganizam e esburacam mais ainda o muro. Aquele mesmo que está a ruir.

Se o feitiço colonial supremo é o “shift+delete”, o nosso e o dos nossos parentes – os outros seres que também não são considerados humanos pela grande empresa – é a teia. A trama invisível que atravessa a morte, constitui o tempo e nos faz nascer, renascer uns nos outros. Resiliência que me faz lembrar o intelectual quilombola Nego Bispo e sua simples e acertada poesia:

“(…) Porque mesmo que queimem a escrita, não queimarão a oralidade.

Mesmo que queimem os símbolos, não queimarão os significados.

Mesmo queimando o nosso povo, não queimarão a ancestralidade."



Paridades - Gê Viana (MA)


A teia nos faz continuar, agora mesmo repito outros de mim que ecoam este mesmo impulso. A teia nos mantém contínuos, e assim, a força para a derrocada dos muros se renova. Não para que possamos entrar, mas para que outros não-muros se ergam, para que raízes se afundem. Este preâmbulo anuncia uma intuição, a vontade amanhecida no hoje de fazer uma ponte entre a derrocada dos muros simbólicos citada no escrito anterior e a abertura de portais em muros reais. Desobediências simbólicas inscritas nas fronteiras reais de uma historiografia incompleta das artes.

Assim, queria de começo ter as nervuras das palavras em outras escritas, deixar que reverbere um pouco os muros desmoronados e os portais escancarados por parentes trazides pela teia mágica do tempo, pela magia dos nossos.


Fé nas crianças - Kerolayne Keblim (AM)


Dos muros metafóricos aos muros reais. Nem só de palavras escritas se faz correr desse texto.

Dança essa dimensão pulsante criadora de sentidos, que se amplifica além dos limites do dizível, onde o tempo se pensa e o espaço se é, ao passo que também o ocupa. O tropeço, a política que evoca chãos, a existência movente das experiências, materialidade linguística do corpo, a palavra sem léxico ou de todos eles. Potência que faz tornar heterogêneo o que antes era homogêneo, causar estanques, interrupções, desviar de padrões, inventar, propor fins e – por que não? - inícios. Criadora e destruidora de mundos, dinâmica primeira da vida, espiral, o movimento ainda que na imobilidade. Dança, dança. Entre o breve e brusco passeio, que acabo de fazer, entre Thereza Rocha e Luciane Silva, caminho em direção a encruza e aterro a dança. Não a enquadrada nos epílogos e prólogos de uma eugênica arte, dança aqui, neste exato instante: apenas palavra pra direcionar olhares. Os muros já estão em derrocada, nem teatro, nem dança, nem performance, mas o que irrompe fronteira. Aterro meu olhar-dança no que serpenteia, na essência primordial de Exu.


(...) Outro dia em conversa com o Dinho Araújo, olhei com carinho uma de suas desobediências:


Coabitar - Dinho Araújo (MA)


(...)

(Gostaria de demarcar bem a palavra carinho citada acima, o afeto entre e existente em nós, um dos fios da teia. O afeto e a força que reverbera também, ao olhar dançar Corpografias do Pixo de Gê Viana e Márcia de Aquino, os murais de Silvana Mendes e Kerol Kemblim e de muites outres parentes. Mas hoje são essas danças que acontecem em muros, nas colagens e pixos que quero dançar-ver.)


Enfarofados e Corpografias do Pixo - Gê Viana e Márcia de Aquino (MA)


Dinho me pergunta, assim de conversa fiada, como eu pensaria o “performer” em sua ação? Aparição? Evocando Lhola Amira? Sim. Também. Indo e voltando… há um encontro e um oposto da aparição. São convocadas sensações de passos já dado, presenças anteriores se materializam. Um tanto encante e um tanto cá. E ao mesmo tempo que o corpo se presentifica, entra num processo de desaparecimento. Metá Metá. Da imagem que se compõe aos poucos e que desaparecerá no tempo do tempo. Esse mesmo corpo permanece no movimento, dançando na imobilidade, na inversão, no querer chão. Um rastro. Permanece no imovível até o tempo do tempo. A dinâmica de Exu em atuação constate, e entre outras coisas, está a trazer movimento ao estático.

Aqui a palavra dança se liquefaz e sua dimensão, maior que o dizivel, atua. Convido também a lembrança – muito evocada nos últimos tempos – das palavras de Krenak, onde a intenção não é “eliminar a queda, mas inventar milhares de paraquedas coloridos, divertidos, inclusive prazerosos.” Cada cruzamento a partir daqui é como um paraquedas colorido, maior que os feitiços de “shift+delete”, são macumbarias que antecipam as quedas dos muros para que outros mundos se tornem possíveis.


Coabitar e Bestiários - Dinho Araújo (MA)


 
  1. Dinho Araújo - Dinho Araujo é artista visual, curador e produtor independente. Mestre em Antropologia pela UFPB, com linha de pesquisa em arte, imagem e performance, atua como coordenador e curador no Chão Slz, espaço voltado à pesquisa e produção em arte contemporânea e cultura visual, com foco em projetos de residência artística, articulação de redes, mostras de performance e exposições, com sede em um galpão no Centro Histórico de São Luís.

  2. Gê Viana - Nasce no vilarejo centro do dete, Santa Luzia - MA Vivi em São Luis - MA. Produz colagem analógica e digital usa imagens de arquivo para transpor seus trabalhos, lança questões sobre a busca por sua etnia. Inspirada pelos acontecimentos da vida familiar e o seu cotidiano num confronto entre a cultura colonizadora hegemônica e seus sistemas de arte e comunicação. Usa a fotografia em experimentos de Lambe-Lambe nas ruas;

  3. Kerolayne Kemblim - artista transdisciplinar, Manauara, existindo e acontecendo em transformação, pensando futuro, humanização e visibilização de corpos pretos e periféricos;

  4. Márcia de Aquino - Licenciada em Educação Artística com habilitação em artes cênicas pela Ufma. Formada em balé clássico pelo Centro de Artes do Maranhão Reynaldo Faray. Professora de Balé Clássico do Centro de Criatividade Odylo Costa filho desde 2004. Performer cuja pesquisa é voltada para a rua (pixações, arquitetura do esquecimento). Desenvolve pesquisas em performance com artistas visuais (Dinho Araújo e Gê Viana). Integra o Coletivo Linhas que consiste em pensar soluções  e provocações com intervenção urbana através do croché;

  5. Silvana Mendes - Artista visual, desenvolve um trabalho artístico que investiga cotidiano e a subjetividade do comum, através da fotografia com o uso de dispositivos móveis para produção fotográfica, trabalhando também com fotomontagens, usando como suporte o lambe.


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