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  • Foto do escritorTieta Macau

ANCÉS e outras macumbarias: poética visual de rastros insurgentes (I)

Escolho começar pelo rastro deixado na terra dos meus. De início, trago à baila uma breve lembrança de Seu Joca, pescador e morador antigo do Cajueiro – comunidade remanescente de quilombo em São Luís/MA –, que numa conversa sobre pertencimento e memória, ao “rastar” o pé no chão de terra me disse: “Não sei de nada não minha filha… Só sei mesmo fazer rasto!”.

Aqui se constrói um ensaio visual a partir da poética do rastro enquanto trajeto estético da pesquisa Ancés, esta que se apresenta como plataforma para pensar/inventar relações entre ancestralidade, diáspora negra, corpo, decolonialidade e contra-colonialidade (SANTOS, 2019). Criações/imagens que se tangenciam aos estudos pós-coloniais e constroem brechas para observar que aparições, macumbarias, insurgências podem se relacionar com questões sociopolíticas, com tendências e estudos contemporâneos das artes, a partir de epistemologias oriundas de contextos não hegemônicos.

Por aqui é de interesse a memória em Benjamin (1985), o anjo da história de Heiner Muller e um pouco mais a fundo a Sankofa africana, a cidade enquanto lugar de memória, os griots, caciques, mestras e mestres populares. Neste caminho considero ancestralidade tanto a relação com os antepassados de cadeia genética, cultural, assim como teia costurada por movimento, sentimento, pensamento, ação, enquanto história, geografia e saudade – o banzo. Como categoria analítica, princípio organizacional do povo negro, elemento primordial da cosmologia africana no Brasil, resistência afro diaspórica e protagonista na construção histórico-cultural negra na diáspora e do próprio país (OLIVEIRA, 2007).

A relação com ancestralidade nessas imagens/ações se faz em questões: como pensar composição a partir ancestralidades afroreferenciadas sem permanecer em padrões estereotipados lançados à corporeidade negra? Quais os dispositivos que agenciam essas memórias ancestrais numa dimensão (trans)temporal? Quais os trajetos que as criações podem tomar para desmontar o pensamento colonial, que tenta legar toda produção a partir de uma epistemologia da ancestralidade (OLIVEIRA, 2007), de um corpo em diáspora e suas possibilidades em dança e cena (SILVA, 2017), ou qualquer outra iniciativa negra, das estratégias folclorizantes (NASCIMENTO, 2016)? Quais as formas de insistir/existir em programas de pesquisa, publicações, laboratórios de criação, editais de fomento com projetos que partem de um corpo oriundo de contextos subalternizados?

Este ensaio visual traz alguns registros de três macumbarias/aparições e seus rastros como possibilidade de construção de uma narrativa disruptiva de um corpo negro que se desenterra numa ação de refazimento de si, que demarca o chão para dar imagem/corpo as virtualizações das estatísticas e necropolíticas (MBEMBE, 2018), que deixa rastros de suas práticas de asé, de um corpo que tenta desfazer o trajeto imposto pela construção colonial, que dança memórias e reinventa presentes.


BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas v. I: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo, sp: n-1 edições, 2018.

OLIVEIRA, Eduardo. Filosofia da Ancestralidade: corpo e mito na filosofia da educação brasileira. Curitiba: Gráfica e Editora Popular, 2007.

SANTOS, A. Bispo. Colonização, Quilombos: modos e significações. 2ª Ed. Brassília: AYÔ, 2019.

SILVA, Luciene R. Corpo em diáspora: colonialidade, pedagogia de dança e técnica Germaine Acogny. Tese (doutorado) - Universidade de Campinas. Campinas, SP, 2017.


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